8 de setembro de 2011

As crônicas da ABU na universidade: D. Bonhoeffer, Clarisse Lispector e René Padilla.

[Texto escrito por Diego Ferreira , estudante de História na UFF]


Mais uma vez reivindicações surgem por todas as partes do Brasil através de protestos no contexto das universidades públicas”, diz a manchete de jornal de hoje na mão de Bonhoeffer.

Aviso aos navegantes desavisados (desavisados não creio de todo), atualmente temos por volta de 12 instituições públicas brasileiras de ensino superior em situações de greve e ou passando por algum tipo de intervenção às suas rotinas cotidianas (passeatas, operação tartaruga, atos públicos, reitorias ocupadas, bandejões (RU’s) fechados e etc). Isso para não falar das questões de outros países como a Espanha e o Chile que enfrentam hoje questões semelhantes no setor da educação. 

Tais instituições, de modo geral, estão diante de vários problemas, e eles se somam e se convergem a uma problemática superestrutural: a crise econômica mundial, que afeta os governos nacionais, que por sua vez preferem diminuir os gastos públicos cortando verba dos setores "supérfluos", um deles, a educação. Desse modo surge aquela velha relação entre ação e reação: o governo faz isso e os setores da sociedade prejudicados justificadamente reagem como podem, ou seja, no que tange a UFS, a UFMT, a IFBA, a UFSM, a UFAM, a UFRGS, a UEM, a UFSC, a UFES, a UFPA até semana retrasada e a minha querida UFF, têm enfrentado problemas principalmente com as faltas de estrutura em seus campi (falta de prédios, salas de aula, bandejão ou R.U, professores, reajustes salariais e enfim, a lista das faltas é grande). E eu nem comecei a falar do REUNE, programa do governo federal que propõe ampliar o ingresso e expandir a universidade pública, mas que tem se mostrado um mero acumulador de alunos sem ampliação da estrutura da universidade. Mas eu sei que isso você já ouviu em algum lugar. 

- Tá, mas o que isso tem a ver com a ABU? 

O querido poeta Mário Quintana tem uma frase lapidar: “O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso”. Faço desse texto um desabafo. Tenho tido muitos problemas para compreender esse “problema pior”, apresentado por Quintana, sobretudo quando tento me achegar a Deus através de “louvores” que negam a realidade parecendo ser esse o caminho da morada do pai. Nesse momento um trecho de uma obra de Clarisse Lispector me parece bem mais profético, intitula-se “A Vitória Nossa de Cada Dia” e ela diz:

“Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceitado o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada. (...) Não nos temos entregue a nós mesmos(...)
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios.(...) Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gaffe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer «pelo menos não fui tolo» e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.”
Profético porque creio que esse trecho me arranca a alma do corpo e a leva para Deus. Que me desperta em minha realidade para além das coisas que converso com meu grupo da ABU, das leituras, coisas e pessoas que tive contato durante minha vida de universitário abuense, que me fizeram mais humano do que imaginava que seria possível, um humano voltado para Cristo. 

Profético porque me desperta talvez para como estamos enquanto Instituição Nacional, revelando essa dualidade de estar com tal intensidade nas universidades do Brasil afora e mesmo assim se posicionando tão pouco. Cantando os momentos bons de ter estudado em cursos de férias Amós e a questão da JUSTIÇA e ainda assim continuar tão alheios.

Não gostaria de fazer desse texto um simples chamamento ao “engrossar das fileiras dos militantes” nos espaços que temos para isso na universidade, institucionalizados ou não. Sei que a realidade é complexa, a falta de tempo nos assalta sempre, os prazos, as dinâmicas de vida, nossos gostos pessoas, nossos conhecimentos, - nossos... nossos... nosso, meu. Assim como sei que ler isso até agora pode ser enfadonho, - prometo serei breve. Por favor, reajam a esse texto de algum modo!

A Assembléia Mundial da CIEE teve o tema “Senhor do Universo, Senhor da Universidade”, o Curso de Férias teve o tema “Justiça Seja Feita”, temáticas bonitas, frases de efeito legais, eventos que foram um sucesso, estamos felizes por isso. Certa vez tive o privilégio de conseguir uma dedicatória de René Padilla em um livro seu, ele escreveu: “que a palavra de Deus seja carne em seus ossos”, essa é a vitória que a cada dia eu quero alcançar. 

Mas e ai, o que nós consideramos A Vitória Nossa de Cada Dia?

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